sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Lixo bem montado

Fotos: reprodução

Na quarta (13) o documentário No Lixo do Canal 4, de Yanko del Pino, foi exibido pela primeira vez. O lançamento foi no auditório Brasílio Itiberê, da Secretaria de Estado da Cultura.
Como o nome sugere, trata-se, a priori, da salvação de um valioso arquivo de memória visual/oral que por pouco não se perdeu no lixo.
A memória parece ser o tema central. Mas definitivamente isso não faz com que os depoimentos e as questões levantadas no filme fiquem restritos a isso.
História, jornalismo, afetos, recordações e a própria recuperação do material, tudo é envolvido numa narrativa sempre amparada na fenomenologia da memória. Como ela ocorre? O que a desperta? Como ela se vai?
O arquivo figura como tema e elemento do tratamento criativo que Yanko dá ao seu filme.
Enquanto artifício de linguagem, as imagens de arquivo há muito tempo têm lugar cativo na tradição documentária. No dizer do teórico Fernão Pessoa Ramos “é intenso o aproveitamento de tomadas realizadas em função de circunstâncias espaciais/temporais diferentes daquelas que cercam a intenção do narrador que articula os planos”.
Ramos ainda chama a atenção para a já formulada categoria do “documentário com filme de arquivo”.
Não se sabe (não perguntei), se Yanko del Pino se baseia em teorias ou conhecimento científico para compor seus documentários. Mas é certo que existem algumas coincidências entre afirmações teóricas e algumas escolhas e resultados de No Lixo do Canal 4.
Ainda em Fernão Pessoa Ramos, pode-se ler que “na narrativa mais tradicional do documentário com filme de arquivo, tomadas e contextos diversos são articuladas através de montagem e cimentadas com a enunciação em voz over bem marcada”.
Sobre a aplicação da referida voz over, vale a continuidade da citação de Ramos: “Numa forma mais contemporânea, a voz que enuncia fora-de-campo tem sua presença diminuída.
Não existe exatamente diminuição na presença de voz fora de campo em No Lixo do canal 4, mas percebe-se que, diferente do que acontece na maioria dos documentários recentes, as entrevistas não prevalecem sobre as imagens.
Os depoimentos são curtos e suas exposições se revezam entre pequenos trechos nos quais aparece a figura do entrevistado, e outros em que sua voz figura como “off” das imagens. Nem sempre quem fala em off aparece enquadrado falando imediatamente, ou antes. Isso torna a assimilação não mecânica, ajuda no ritmo. Não se privilegia a voz ou o ponto de vista de uma ou outra personagem. Sobressai-se uma voz independente, a do filme.
Esse aspecto marca outro êxito de Yanko, afirmado nos estudos sobre a produção de documentários. Em alguns momentos a montagem parece dispensar as falas. A construção de argumentos é feita de modo visual, através do uso de imagens e respectivas seqüências.
Importante a referência à “construção de argumentos”. Isso vem a confirmar também o que muitos estudiosos defendem: que o documentarista não é um promotor de realidades e sim um formador de significados. Nas palavras do professor Eduardo Baggio, “fundamentalmente um documentário é uma relação entre o real e o espectador, mediada pelo documentarista.”
A mediação é um tema caro e recorrente para várias áreas do conhecimento. Na da Memória ela é essencial. Mediação aqui vira sinônimo de escolha. Quem media a memória? Isto é, quem escolhe o que será conservado e o que irá ao lixo? Quem atribui importância ou valor aos objetos? Quem diz o que merece ficar nos arquivos e o que será dispensado?
Perguntas feitas em O lixo do Canal 4. Bem respondidas. Foi mesmo uma boa jornada.

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