“As coisas são assim mesmo”, comentou um professor de fotojornalismo, há uns cinco anos. Continuou: “essa história de que um policial morreu, que não sei quem morreu, isso acontece mesmo, não há porque não fazer as fotos”.
É velho o dilema de repórteres fotográficos ao registrarem dramas e denunciá-los, mostrá-los em tom de lamento, ao mesmo tempo em que podem estar fazendo uma imagem decisiva na sua carreira, a qual pode render lucro, reconhecimento e oportunidades. Situação discutida exaustivamente.
Fotografo baladas, produtos, mulheres grávidas, insetos e a lua, porque gosto. Às vezes para praticar a fotografia, me aperfeiçoar. Outras vezes para ganhar dinheiro.
Faço este blog, cubro eventos que não me dizem nada, para revistas que não leio. Assuntos que não me interessam.
Esforço-me para ser um fotojornalista. Documentar, ser combativo, fazer pensar, informar. Pratico alguma coisa: um sindicato, uma cidade histórica, ilhas, o litoral da minha terra.
Um mês atrás. Eu estava fotografando vinhos. Coisa chata. De repente alguém diz: “tem um louco querendo se jogar do prédio aí do lado”. Que beleza! Foi isso que pensei: beleza. Corri. Olhei, troquei de lente com uma satisfação moleque, juvenil. Chegou a hora. Cliquei algumas vezes. Ouvia o cidadão praguejar lá de cima: “não vou incomodar mais”. Não pule cara! Cheguei a pedir. Ele me ouviu.
Pensei depois de poucos minutos, não exatamente nessas palavras: se esse cara pular vai ser uma grande merda, situação medonha. Não faz bem para ninguém presenciar algo assim. É claro que eu não quero que ele pule.
Continuei: se esse cara pular eu vou fazer uma puta foto. Não, se esse cara pular eu não vou fotografar. A alma dele não vai descansar. Besteira. O foco estava nele, é uma mira: se ele pular, como disse o capitão nascimento em Tropa de Elite: “senta o dedo nessa merda!”.
Se ele pular arrisca minha foto sair na capa de um jornal, numa revista, num site bem acessado. Pula logo seu bosta. Foda-se, eu não conheço o cara, não tenho nada haver com isso.
Tenho. Ele morre, a família dele entra num tipo de falência existencial e eu vou para casa achando que sou mais fotojornalista do que era ontem. Não sou fotojornalista porra nenhuma. O que eu sou é um pau no cú, isso sim.
Não, eu estudo, invisto, trabalho e me divulgo para me firmar como fotojornalista. As coisas são assim mesmo.
Bom experimentar algo assim. Bom o cara não pular. Eu senti o final feliz. Verdade, eu fiquei contente. Melhor para os filhos do homem. Êxito para o bombeiro que negociou a tarde toda. Meu pai era bombeiro, mais de trinta anos, ele já esteve naquele lugar, um dia ele foi aquele bombeiro ali.
Mas se o cara pulasse, eu estava ali, prontinho. Paciência.
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