quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sem título

“Finalmente temos a nossa tragédia, descobrimos, olhamos, estamos olhando nos olhos os grandes problemas da vida, da nossa existência, da condição humana”. Oduvaldo Vianna Filho, 1974


“As coisas são assim mesmo”, comentou um professor de fotojornalismo, há uns cinco anos. Continuou: “essa história de que um policial morreu, que não sei quem morreu, isso acontece mesmo, não há porque não fazer as fotos”.
É velho o dilema de repórteres fotográficos ao registrarem dramas e denunciá-los, mostrá-los em tom de lamento, ao mesmo tempo em que podem estar fazendo uma imagem decisiva na sua carreira, a qual pode render lucro, reconhecimento e oportunidades. Situação discutida exaustivamente.
Fotografo baladas, produtos, mulheres grávidas, insetos e a lua, porque gosto. Às vezes para praticar a fotografia, me aperfeiçoar. Outras vezes para ganhar dinheiro.
Faço este blog, cubro eventos que não me dizem nada, para revistas que não leio. Assuntos que não me interessam.
Esforço-me para ser um fotojornalista. Documentar, ser combativo, fazer pensar, informar. Pratico alguma coisa: um sindicato, uma cidade histórica, ilhas, o litoral da minha terra.
Um mês atrás. Eu estava fotografando vinhos. Coisa chata. De repente alguém diz: “tem um louco querendo se jogar do prédio aí do lado”. Que beleza! Foi isso que pensei: beleza. Corri. Olhei, troquei de lente com uma satisfação moleque, juvenil. Chegou a hora. Cliquei algumas vezes. Ouvia o cidadão praguejar lá de cima: “não vou incomodar mais”. Não pule cara! Cheguei a pedir. Ele me ouviu.
Pensei depois de poucos minutos, não exatamente nessas palavras: se esse cara pular vai ser uma grande merda, situação medonha. Não faz bem para ninguém presenciar algo assim. É claro que eu não quero que ele pule.

Continuei: se esse cara pular eu vou fazer uma puta foto. Não, se esse cara pular eu não vou fotografar. A alma dele não vai descansar. Besteira. O foco estava nele, é uma mira: se ele pular, como disse o capitão nascimento em Tropa de Elite: “senta o dedo nessa merda!”.
Se ele pular arrisca minha foto sair na capa de um jornal, numa revista, num site bem acessado. Pula logo seu bosta. Foda-se, eu não conheço o cara, não tenho nada haver com isso.
Tenho. Ele morre, a família dele entra num tipo de falência existencial e eu vou para casa achando que sou mais fotojornalista do que era ontem. Não sou fotojornalista porra nenhuma. O que eu sou é um pau no cú, isso sim.
Não, eu estudo, invisto, trabalho e me divulgo para me firmar como fotojornalista. As coisas são assim mesmo.
Bom experimentar algo assim. Bom o cara não pular. Eu senti o final feliz. Verdade, eu fiquei contente. Melhor para os filhos do homem. Êxito para o bombeiro que negociou a tarde toda. Meu pai era bombeiro, mais de trinta anos, ele já esteve naquele lugar, um dia ele foi aquele bombeiro ali.
Mas se o cara pulasse, eu estava ali, prontinho. Paciência.

Fotos: Guilherme Artigas

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